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segunda-feira, 30 de abril de 2018

Bryan Ferry

Quando a palavra música me vem à cabeça, duas outras imediatamente me ocorrem: Bryan Ferry. É um verbete perfeito para a definição de música, genialidade, arte. Todas as músicas, sejam da sua produção a solo ou de Roxy Music, são autênticas obras-de-arte. E tudo surge a partir da sua compleição. Um compositor viciado no trabalho, na música, na perfeição, que sofre como os poetas e escritores para encontrar as palavras que procura; é assim que o defino. Ferry diverge-se pela sua extensa discografia de originais e pelo seu trabalho em que lapida as músicas de Bob Dylan, ou de outros, como Jealous Guy, de John Lennon, (em sua homenagem), entrando nelas e transformando-as em músicas perfeitas; assinalo o álbum Dylandesque, no seu todo, para consignar as suas interpretações fabulosas, e o álbum Frantic que contém também as músicas It's all Over Now Baby Blue, e Don't think Twice, It's Alright, e outras de sua própria autoria, que também são excelentes.
Há estudos (Bryan Ferry é um key study), documentários, entrevistas, programas televisivos, que revelam a reverência que ele merece, e comprovam como a sua música é de culto. A Universidade de Newcastle, onde estudou Belas-Artes, distinguiu-o com um grau honorífico.
Pode-se dividir Roxy Music, temporalmente, em dois períodos: antes e após Brian Eno. Os dois primeiros álbuns, com a participação de Eno (que se separou da banda após discussões com Ferry, presumo que após um espectáculo, as pessoas começaram a aplaudir enquanto vociferavam o nome de "Eno", e Ferry impôs-se, retorquindo que Roxy Music era a sua cara, -com toda a justiça-, e assim sobrepôs o seu nome ao de Eno)  Roxy Music (1972) e For Your Pleasure (1973), este último com as músicas que dá o nome ao álbum, e In Every Dream Home a Heartache (uma música assoberbada pelo enigma e poder acumulado, que se rebela com a guitarra do Phil Manzanera). Todos os seguintes, Stranded (1973), com músicas espectaculares, como Just Like You, Amazona, PsalmSong For Europe, em que nesta última Ferry canta em três línguas: inglês, francês e latim; Country Life (1974); Siren (1975); Manifesto (1979); Flesh and Blood  (1980) e Avalon (1982). Todas são boas. Obviamente utilizo esta linguagem num sentido relativo, apenas tento atribuir um valor conspícuo às suas músicas
A maneira como preenche as músicas com o detalhe revela a musicalidade opulenta. Sejam nas músicas de rock/punk, juntamente com a sua teatralidade em palco, ou nas mais calmas e românticas. É sem dúvida o meu músico de eleição, proeminente, que revolucionou toda a música do séc. XX. Não é e nem nunca foi um artista que encheu estádios, porque nem toda a gente o percebe ou alcança.
Anoto também as escolhas das capas dos álbuns, todas com mulheres bonitas, sensuais e voluptuosas.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Auto-retrata-te

Um comentador televisivo ou radiofónico não está para o espectador ou ouvinte como um escritor (ficcionista) está para o seu leitor. As relações não são equiparáveis. É interessante, e por vezes deplorável, verificar isso.
Nos programas de comentário político portugueses, os comentadores que se esquecem de despir as suas emoções ao entrarem no estúdio acabam por ser os exemplos-vivo dessa normativa. No último Eixo do Mal, assistimos a  essa "cegueira", e muito mais: à fugaz conjectura de café, de grupo ou rede electrónica- cujo resultado foi menoscabado.
Vamos, num primeiro juízo, olhar para o auto-retrato feito pelo comentador Luís Pedro Nunes. Todos percebemos o perfil que traçou de si mesmo. Um ser-humano que se metamorfoseou num chibo do monte. Ele insistiu, insistiu até que a transformação ficou completa: transformou-se num animal repugnante, voluntariamente. Nem as tentativas de interpelação foram eficazes, os cornos e as patas acabaram mesmo por nascer. Como algumas coisas que, para nós, fazem tanto sentido, e para outros não. Mas neste caso, ele bem se pode esforçar que já lhe virámos as costas há muito. Quem qualifica como uma excelente peça jornalística ao que assistimos na Sic, denuncia o escárnio que sente por José Sócrates. Ele insere-se no grupo de pessoas que, seja qual for o desfecho do mega-processo Operação Marquês, só aceitará a condenação. A cura para todos os seus males, para poderem finalmente parar de fazer o sacrifício de terem orgasmos na televisão ao falarem do caso Marquês, será a sentença. Uma absolvição é impensável. Estão tão apaixonados pela telenovela, excitados, como cadelas em período do cio, doentes, cabras em fase de transumância, à procura do pasto, sempre comandados pelo ódio.
Em tudo vêem a culpabilidade. Seja pelo uso de códigos no diálogo, seja pelo comportamento ao longo do inquérito,  que para alguns, como li hoje no Público, por outra cabra do monte, "a voz e postura corporal dos arguidos são elementos fundamentais para a formação de uma convicção"; pelo argumento que face a uma bondade tão grandiosa do Santos Silva ao Sócrates, não haja motivos plausíveis para que Sócrates converse da maneira "opressiva" para o amigo. Como se tivesse que haver uma co-relação de tratamentos entre eles, para passar tudo a ser "normal". As coisas não funcionam assim, até porque é possível provar empiricamente que uma pessoa possa estar admoestada perante actos bondosos. E, alguém equilibrado forma uma convicção coesa  por causa de uma escuta que revela um tratamento entre Ricardo Salgado e José Sócrates por "Zé"?
Alguém razoável põe em causa a doutrina da justiça garantista? Alguém comedido pode ser indigente a essa condição que tanto nos protege: "mais vale um culpado cá fora que um inocente lá dentro"?  E o único argumento que encontram é o consequencialista: os interesses dos indivíduos são marginalizados, mas o colectivo, esse, é defendido. Mas até aí se enganam. Uma falha tão grave como esta num Estado de Direito nunca protege o cidadão. Em nenhum sentido. Só nos deve envergonhar.

domingo, 22 de abril de 2018

Reversão na Educação

O ministério da educação do governo anterior, liderado por Nuno Crato, encontrava-se em completa harmonia com o ministério das finanças - o rigor puritano implementado era o mesmo. Aproximação ao ensino tradicionalista protestante, ou a modelos de ensino dos países do norte da Europa; cursos de vocação profissional; afastamento da responsabilidade escolar em educar civilmente os alunos, com a retirada da disciplina de formação cívica, que a meu ver é importantíssima. Enfim, um panorama que, aos olhos do ministério actual e da maioria dos deputados parlamentares, vai de encontro aos interesses dum aluno, aos níveis da educação e civil. Verdade seja dita, as primícias do anterior governo foram todas assim: socialmente insípidas e fracassadas. Agora, lá nos vamos soerguendo. 
Os professores também não foram esquecidos, principalmente os contratados, cujo sofrimento profissional nunca será retraído por lei, nem pelos sindicatos. A própria condição profissional que têm (são profissionais , ou colaboradores, -palavra que não simpatizo nada-, aptos a darem aulas, num regime de subcontratação ao serviço do Estado) impede-os de se assumirem como professores, de profissão. E de facto, não o são. O dia 31 de Agosto, de todos os anos, para os contratados, é  fatalmente despretensioso. Os meses que antecedem o fim do ano lectivo são todos assim, caracterizados pelo tormento mental resultante da instabilidade futura. São dos poucos funcionários públicos com um contrato a termo. Já os vinculados têm muitos mais benefícios face aos contratados.  Dou o exemplo de na situação de um professor efectivo ter um horário incompleto, o seu ordenando mantém-se inalterado (por razões óbvias); já o do contratado varia em função do horário. O modelo de avaliação dos professores proposto (PACC) dava continuidade a essas desigualdades, alheias aos vinculados. Ou melhor, até nem eram totalmente alheias, visto serem eles os encarregados de vigiarem as provas dos seus "colegas". Sublinho também que esse exame tinha um custo monetário de 20 euros. Veja-se o tipo de capitalismo inculcado pelo governo anterior. A única coisa positiva destes azedumes, na perspectiva dos alunos, é o facto de conhecerem bem o país em que vivíamos, subjacente à governação de Passos Coelho. Isso, como disse na linha anterior, é positivo para os alunos, pois os preceptores conheciam bem a realidade.
Fico satisfeito pela mudança profunda que, de unicamente estrutural, da obediência paternal às disciplinas mãe e a índices comparativos com a "mítica Finlândia", passou a colocar outras áreas, como a educação física e cidadania, numa redoma que previne para o futuro. Áreas que impedem o aluno de ser pobre de espírito, com bons hábitos cívicos, dignos e humanos. Uma aproximação ao melhor do que a teoria sobre a Educação de Locke nos oferece: sermos bons cidadãos.
A educação é o que nos distingue dos outros. E uma bela maneira de nos distinguirmos é, por vezes, ignorar o interesse individual em nome de um que seja colectivo. Talvez assim não haja tanta procura pelo azar dos outros e nem limpássemos a boca com as costas da mão (sempre que vislumbramos o "lucro" fácil) demasiadas vezes.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

A utopia dos 50%

No dia 20 de Setembro de 2017, discutiu-se no parlamento, em debate na generalidade, a lei que determina a autodeterminação de género. No entanto, sem votação, como José Ribeiro e Castro explicou, num artigo no Público, este debate foi interrompido, sem serem discutidas as linhas gerais da proposta - os princípios fundamentais desta norma. Ignorada assim a fase de generalidade, o projecto-lei passa assim para uma fase de aperfeiçoamento. Durante seis meses, os textos legais, que deveriam ser legitimados em plenário, foram trabalhados na subcomissão, entregues à revelia. Este trabalho, realizado nas mesmas circunstâncias da fase de especialidade, e que não o deveria ser, pois não foi aprovado pela maioria dos deputados, revela-se obscurecido. No fundo, os próprios deputados demonstram uma itinerância às suas funções.
Aproveito esta falha inconstitucional para denunciar a minha opinião sobre a lei da representatividade por género. Penso que esta lei torna-se numa imiscuição implícita à vida interna dos partidos. Os partidos, que sobrevivem através da expressão do eleitorado, têm por obrigação moral (desde sempre, numa democracia) escolher os melhores que irão representar o povo, convergindo com a doutrina partidária. Esta lei, em nome de um devaneio utópico, em converter os deputados a simples números e não em mérito nobre, resvala nessa moralidade. É ou não é verossímil que possam ficar de fora pessoas com maior qualidade política só simplesmente para satisfazer essa norma? Pois eu acho que sim. Se nas concelhias há um baixo número de participação feminina no poder local (argumento usurpado por Elza Pais), as razões serão outras (o baixo nível de desenvolvimento do interior, por exemplo, indirectamente, é uma delas). Ou como se o poder local se traduzisse na singularidade do Presidente da Câmara de um concelho.  Esta medida dominada pelo jugo do feminismo é uma afronta grave às discriminações positivas. Introduzir quotas de género directas mínimas num partido aceito e defendo, mas de uma maneira quase tão simétrica como 40%, discordo.
Se um partido criar, por razões estratégicas ou convicções éticas, departamentos com o fim a dar voz a cidadãs políticas, é uma responsabilidade que vejo com condescendência e respeito. Mas penso que seja injusto fazer disso regra a todos os outros.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Viajar sem tretas

Já é um pouco tardiamente que escrevo sobre a polémica instalada na Assembleia da República, mais especificamente, sobre os abonos que deputados residentes nas regiões autónomas recebem para indemnizar as suas despesas de viagem. O caso mais sonante é do líder parlamentar do partido Socialista, Carlos César, pelo papel que desempenha no parlamento, como líder de bancada. No entanto, outros sete (dos onze deputados residentes nas ilhas) também acumulam os dois subsídios que, só eticamente, entram em conflito. Após a rescisão do deputado Paulino Ascensão (Bloco de Esquerda), que eu acredito que tenha gerado algum desconforto de consciência a todos que se inserem na mesma situação, por razões morais óbvias, espera-se agora algum movimento de defesa por parte de todos os outros. E, timidamente, chegou, mas já lá vamos.
Os deputados que residem nas ilhas têm direito a um abono, por parte do parlamento, de 500 euros semanais, independente se viajam, ou não. Ora, só esta premissa alude qualquer cidadão comum a comover-se com a situação precária destes cidadãos. E, para além deste subsídio de deslocação (como todos os outros deputados também integram, embora noutros regimes), estes deputados, residentes nas ilhas, têm direito (burocrático) a um outro subsídio: o da mobilidade social. A defesa lá surgiu, e exortou o argumento da validade, que é meramente informativo (o segundo abono existe desde 1989) e explicou que a duplicidade destes apoios é válida. Mas será justamente válida? E também, não esquecendo, evocou o argumento de que algumas partes do ano, os preços dos bilhetes são altamente inflacionados. A força desta última objecção, revela algum ímpeto por partes dos defensores que o usaram; algum nervosismo.
Essa lei, poderá existir, mas onde está o princípio de ir além da lei, pergunto. A decência tornou-se assim tão volátil desde quando? Será que os deputados não vêem que esse segundo subsídio é dirigido para outro tipo de cidadãos, que não exerçam funções parlamentares, por exemplo?
A maioria dos portugueses, sejam funcionários públicos ou do privado, que, por razões profissionais, são arrendatários de uma casa fora da sua cidade, com um salário bem menor para suportar esses custos, isto em nome da sobrevivência -e não da vida plena-, não lhes são auferidos esses tipos de apoios, ou então, quando os são, a burocracia para o receberem é muito maior, rigorosa e extensa do que a dos deputados.
Como um deputado não tem noção que a sua vida, sob um escrutínio permanente, que os seus truques, espertezas (claro que no sentido negativo da palavra) são motivo de ataque (e demissões), no mundo da política, faz-me alguma impressão. Esse desconhecimento irracional, ilógico, incauto, é uma batalha cujo político participa desarmado, sem protecção. Claro que isto é motivo para um político ser famigerado.
Seria um exercício curioso conhecer a opinião de todos estes deputados sobre a qualidade dos serviços prestados pelos CTT, visto ser esta empresa que fornece o levantamento, em cupões ou em numerário (desconheço francamente), aos beneficiários.
Rubina Bernardo, vice parlamentar do PSD e deputada eleita pela Madeira, que não acumulou estes dois benefícios, perfila-se, com essa atitude, à margem da nobreza de exercer um cargo político.

terça-feira, 17 de abril de 2018

Inquérito em directo

A última divulgação de excertos do inquérito a José Sócrates, apresentados pela Sic, abrindo assim de forma apelativa o telejornal, com essa promessa de sangue-fresco, consiste numa tentativa, fracassada a meu ver, de manchar e antecipar a culpabilidade de José Sócrates. Este processo, que é marcado pelas sucessivas violações do segredo de justiça, é agora marcado pela desobediência da Sic, partilhando a divulgação destas gravações. Conhecedora dessa desobediência, o cálculo (custo-benefício) é simples: vale a pena desobedecer, em nome das audiências. Em relação à violação do segredo de justiça, deixem-me dizer o seguinte: na minha opinião, não se trata apenas de uma violação concreta a um direito do arguido, também o é, pois essa lei existe face à existência dum arguido, mas também é uma violação grave a uma lei própria do Estado de Direito.
Uma opinião mais objectiva, propensa a uma análise humana e sensível, da argumentação dos procuradores, em certos momentos, leva-me a pensar na insensibilidade das pessoas que comandam o inquérito. Penso que seja impreterível bom senso neste confronto. Uma amizade íntima, de infância, logo, de longa data, tem de ser considerada. Perguntemos a nós mesmos: se fossemos possuidores de uma grande riqueza, não emprestaríamos certamente um apartamento a um amigo de infância nosso? Eu faria. E também aceitaria receber esse favor, sem problemas de consciência, evidentemente por não exercer nenhuma função administrativa pública, da mesma maneira que Sócrates usufruiu, após , e não durante, funções dessa natureza. É certo que Carlos Santos Silva parece ter um papel de "fantoche" devido à facilidade com que empresta dinheiro, ou como recebe indicações, uma "lagartixa", enfim, mas não há crime nisso. Um argumento que fundamenta isso, é a facilidade com que os procuradores também encaminham as respostas dele, em inquérito, e isso penso que também não seja correto. Tentam, muitas vezes, forçar respostas que sejam "úteis".
É desumano, um acto ignóbil, julgar a postura e comportamentos de Sócrates neste inquérito. Desconhecemos, na totalidade, várias informações sobre este inquérito. O tempo de duração, por exemplo, (não nos esqueçamos que a Sic, interessar-lhe-á, sempre, escolher as partes que aludem a uma perpassável polémica), que pode explicar o estado de sublevação: imaginem-se numa sala, por várias horas, sobre um inquérito exaustivo; a indiligência com que os procuradores perseguem um erro no discurso (o modo como um dos procuradores refuta Sócrates, dizendo que se fosse no caso dele, lembrar-se-ia do método de pagamento de umas férias em Veneza, hipoteticamente, em Veneza). Dentro dessa linha, proscrever o governo de Sócrates por responsabilidades políticas, na óptima de quem critica a sua governação, exigindo assim uma condenação por isso, é eticamente pernicioso. Basta ser racional para o afirmar.
Sobre a sua obra científica, só uma coisa está provada: a compra de exemplares, por parte de um amigo, (de infância, embora aqui, de infância ou não, seja indiferente) suficientes para uma reedição. Isto é unicamente o que se consegue provar, a meu ver. No entanto, isto não constitui crime. Poder-se-á dizer que é um defeito humano, a vaidade, mas, crime não o é. Muita gente, gostava que fosse, mas não é. Uma pergunta que faço é se essa vaidade demonstra peremptoriamente o seu falhanço académico. Não, não demonstra.
A figura de Sócrates levantará sempre desacordo de opiniões. Uns, como eu, acreditarão sempre na proeminência do seu carácter, força e índole de combate por uma democracia acrisolada. Outros nutrem um ódio extenso, permanente, que estará sempre protegido até uma condenação.