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quarta-feira, 18 de abril de 2018

Viajar sem tretas

Já é um pouco tardiamente que escrevo sobre a polémica instalada na Assembleia da República, mais especificamente, sobre os abonos que deputados residentes nas regiões autónomas recebem para indemnizar as suas despesas de viagem. O caso mais sonante é do líder parlamentar do partido Socialista, Carlos César, pelo papel que desempenha no parlamento, como líder de bancada. No entanto, outros sete (dos onze deputados residentes nas ilhas) também acumulam os dois subsídios que, só eticamente, entram em conflito. Após a rescisão do deputado Paulino Ascensão (Bloco de Esquerda), que eu acredito que tenha gerado algum desconforto de consciência a todos que se inserem na mesma situação, por razões morais óbvias, espera-se agora algum movimento de defesa por parte de todos os outros. E, timidamente, chegou, mas já lá vamos.
Os deputados que residem nas ilhas têm direito a um abono, por parte do parlamento, de 500 euros semanais, independente se viajam, ou não. Ora, só esta premissa alude qualquer cidadão comum a comover-se com a situação precária destes cidadãos. E, para além deste subsídio de deslocação (como todos os outros deputados também integram, embora noutros regimes), estes deputados, residentes nas ilhas, têm direito (burocrático) a um outro subsídio: o da mobilidade social. A defesa lá surgiu, e exortou o argumento da validade, que é meramente informativo (o segundo abono existe desde 1989) e explicou que a duplicidade destes apoios é válida. Mas será justamente válida? E também, não esquecendo, evocou o argumento de que algumas partes do ano, os preços dos bilhetes são altamente inflacionados. A força desta última objecção, revela algum ímpeto por partes dos defensores que o usaram; algum nervosismo.
Essa lei, poderá existir, mas onde está o princípio de ir além da lei, pergunto. A decência tornou-se assim tão volátil desde quando? Será que os deputados não vêem que esse segundo subsídio é dirigido para outro tipo de cidadãos, que não exerçam funções parlamentares, por exemplo?
A maioria dos portugueses, sejam funcionários públicos ou do privado, que, por razões profissionais, são arrendatários de uma casa fora da sua cidade, com um salário bem menor para suportar esses custos, isto em nome da sobrevivência -e não da vida plena-, não lhes são auferidos esses tipos de apoios, ou então, quando os são, a burocracia para o receberem é muito maior, rigorosa e extensa do que a dos deputados.
Como um deputado não tem noção que a sua vida, sob um escrutínio permanente, que os seus truques, espertezas (claro que no sentido negativo da palavra) são motivo de ataque (e demissões), no mundo da política, faz-me alguma impressão. Esse desconhecimento irracional, ilógico, incauto, é uma batalha cujo político participa desarmado, sem protecção. Claro que isto é motivo para um político ser famigerado.
Seria um exercício curioso conhecer a opinião de todos estes deputados sobre a qualidade dos serviços prestados pelos CTT, visto ser esta empresa que fornece o levantamento, em cupões ou em numerário (desconheço francamente), aos beneficiários.
Rubina Bernardo, vice parlamentar do PSD e deputada eleita pela Madeira, que não acumulou estes dois benefícios, perfila-se, com essa atitude, à margem da nobreza de exercer um cargo político.

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